DEU RUIM: Janja recebe duro castigo após falar sobre os env… Ver mais

O recente encontro da primeira-dama Janja da Silva com mulheres evangélicas, em Salvador, expôs uma das fissuras mais sensíveis da política brasileira: o choque entre o discurso progressista e a espiritualidade de um segmento em plena expansão. A tentativa de aproximação revelou muito mais do que uma disputa de narrativas — trouxe à tona a dificuldade histórica do campo progressista em se conectar com valores que moldam a vida de milhões de brasileiros.

Fé em confronto com política: a reação imediata das igrejas

O discurso de Janja apostou no empoderamento feminino e no enfrentamento à opressão social. Porém, parte das mulheres presentes rebateu com a força da Bíblia. A citação de Filipenses 4:13 — “Tudo posso naquele que me fortalece” — ecoou como resposta direta à proposta de protagonismo feminino desvinculado da fé cristã. Para muitas lideranças religiosas, a fala da primeira-dama soou desconectada dos valores espirituais que sustentam a vida comunitária evangélica.

Esse choque não foi apenas retórico, mas simbólico: de um lado, a política tentando oferecer emancipação; do outro, a fé sendo reafirmada como verdadeiro instrumento de transformação. O resultado? Um clima de resistência e distanciamento.

Estratégia ou empatia genuína? O dilema em ano pré-eleitoral

Em um Brasil polarizado, cada gesto político é avaliado sob a lente da conveniência. Para parte das lideranças religiosas, a fala de Janja foi interpretada não como empatia, mas como estratégia em um ano pré-eleitoral. A narrativa progressista, historicamente associada à defesa da laicidade, dos direitos reprodutivos e das pautas de gênero, colide com o núcleo conservador do eleitorado evangélico.

Essa percepção de cálculo político fragiliza qualquer tentativa de diálogo. Afinal, como conquistar a confiança de um público que se sente mais cortejado do que verdadeiramente ouvido? O risco, para o governo, é transformar cada aproximação em uma confirmação de distanciamento.

Símbolos em disputa: quando imagem e mensagem não se alinham

O palco escolhido intensificou as contradições. Salvador, capital do candomblé e cidade que lidera o crescimento evangélico no Nordeste, foi o cenário do encontro. A imagem da primeira-dama em uma igreja batista, usando a camisa do MTST e com vínculos públicos às religiões de matriz africana, gerou estranhamento imediato entre fiéis.

Segundo o cientista político Bruno Soller, símbolos importam tanto quanto palavras. E, nesse caso, a soma de candomblé, movimento de luta social e púlpito evangélico construiu um mosaico difícil de harmonizar. A mensagem perdeu força porque os sinais visuais e contextuais transmitiram contradição em vez de aproximação.

O futuro das pontes: entre escuta ativa e risco de ruptura

O episódio em Cajazeiras é um alerta estratégico. Não basta falar para o público evangélico: é preciso compreendê-lo, respeitar suas crenças e reconhecer sua influência crescente. Hoje, quase 40% da população brasileira se identifica como evangélica — um bloco social, político e cultural que dita rumos eleitorais e impõe agendas no Congresso.

Se o governo pretende construir pontes duradouras, terá de ir além da retórica e investir em representatividade, diálogo contínuo e respeito às espiritualidades. Caso contrário, cada tentativa de aproximação poderá apenas reforçar o abismo entre progressismo e fé, ampliando uma distância que o Brasil já não pode se dar ao luxo de ignorar.

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